quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Um trem e elas

O cheiro ardido do pequi atravessa a tarde, insistente. amarela o tempo que eu não vivi, mas que me acompanha percorrendo montes das montanhas de Minas. Há algo em mim que vem das mulheres do norte... Caminhos de um Sol que encouraça a pele. que marca quem já foi índia, negra, branca, quem já foi rio, céu, árvore e chão...

Contam-me sempre que eram loucas. pergunto o que é ser louca para uma mulher na década de 30... ou em 60, 80, século XXI. Sempre loucas, todas elas. todas nós. No que se cala ou no que se canta? Sempre elas. Nas calças, nas flores, nos vestidos, nos amores. Nas mães, nas mãos. Outras faces que me chegam assim, pelos trilhos da memória inventada de dentro.

Para ouvir - Beleza maior por Aline Luz
                                                                              ...


Foto: Wilton Montenegro

Não tenho lembranças minhas com Aline. Porém sei que nós tivemos um encontro numa noite de dezembro. Alguns amigos, vinhos, restos da ceia de Natal... e um vinil foi parar na vitrola, “é uma tia minha, gente!”
Ali Aline cantou conosco. E ficou...

compartilho essa minha escrita hoje, 25 de dezembro, quando Aline Mendonça Luz, minha tia avó, completaria 68 anos.

Para ver e ouvir: Coisa mais maior de grande (Gonzaguinha) por Aline Luz 

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Gosto

um sopro
                  no tropeço da língua
                                                        doce talvez

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Tarefas: 03 de dezembro, quarto

fiz dobraduras de roupas e papéis
inventei lugares para guardar a coisa
escrevi silêncios no barulho da máquina 
não joguei o nada fora

domingo, 23 de novembro de 2014

Em mãos II

um risco
em trânsito
                                                              - amor latente -

no corpo
impulso
                                                          - que lança o desejo -

que gira e faz volta
dançando os tempos soltos
                                                            - no ato da linha-


sábado, 15 de novembro de 2014

Das noites pouco contemporâneas


"Só que precisava dos outros para crer em si mesma, senão se perderia nos sucessivos e redondos vácuos que havia nela. Meditava enquanto batia à máquina e por isso errava ainda mais"
(A hora da estrela, C.L)

sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Em mãos

do transe à transa
a palavra lambe
descansa a língua
acolhe o corpo

no ato que é
no ato de ser

desejo.

sábado, 18 de outubro de 2014

Do buraco V


quando a morte me olhou nos olhos, fui eu quem abri a porta

ela trazia trapos enrolados nos braços e não possuía cheiro

aqueles trapos, pensei, eram meus restos que ela carregava no colo feito um bebê

eu sorrio cúmplice e os recebo com gratidão

Em tempo...


domingo, 28 de setembro de 2014

Para ela, pelos nossos anos

(Do buraco IV)

Eu me convido a entrar. O corpo busca o papel para se deitar... A dor no corpo, o cansaço no corpo, o pesar no corpo, o próprio corpo... A( )pesar. A morte existe porque há um corpo. Finito, frágil, instável. A vida existe porque há um corpo. Finito, frágil, instável... É nesse lugar que eu sou, esse do corpo que sente. Que vive e morre, que se alegra e adoece, que grita e silencia. Neste instante estou exatamente por onde as coisas atravessam... Te vejo sentada, muito bem apoiada pela palavra que contraditoriamente não dizia. Qual o nome da dor que te carregava no colo? Que dor é essa que tenta se livrar do corpo? Ou... que dor é essa que ocupa um lugar inalcançável, fora do corpo e que precisa ser trazida, levada a ele como um caminho possível, suportável? As minhas perguntas se suspendem... Confesso: existe uma dor em mim também. A gente se toca às vezes... E agora enquanto escrevo posso vê-la agachada no canto, abraçando os joelhos e respirando em pulsos regulares... Minhas palavras são quase uma cantiga de ninar, elas compõem esse silêncio sem angústia para que a respiração sobressaia. Então é isso? - me surpreendo! Você me olha nos olhos e sinto que inverteu a lógica dos nascimentos, somos cúmplices. Quanto da sua voz eu trago nas mãos? Na volta à cidade, deixo a porta entreaberta caso você queira escapar mais um pouco.
Pelos caminhos, traço no silêncio a nossa cura. Eu, remédio. Eu, palavra.


sábado, 20 de setembro de 2014

(carto)grafias de mim


Que seja assim e que passe pelo corpo. É aqui o começo, onde a escrita atravessa. Parece não haver palavra no mundo incapaz de encontrar esse corpo à deriva e o enlaçar para o lado de cá. Haverá momento em que me perderei da escrita? Em que direi: Não quero. Não consigo.(?) Associo a escrita ao corpo como uma marca segura. Se nos perdermos é para cá que voltarei, onde não dá para deixar de estar. Perceba que é diferente de quando dizia de querer construir um corpo na linguagem, um corpo que existe na palavra... Essa é a entrega sincera de agora: ofereço meu corpo aberto para que a minha escrita se faça. Me autorizo. Me autorizo a errar. Me autorizo a tentar. A falar, repetir, reelaborar. Me autorizo a escrever sem doer. Que diga de uma dor, que cure ou não... Mas mesmo quando fardo inevitável, que me respeite. Me autorizo a sujar o texto de mim e amar cada fragmento, cada traço. Mesmo incompleta, mesmo em busca. Respeitar as ausências. Querer-se mesmo assim. Me responsabilizo nas minhas pequenas alegrias. É preciso estar para ser. O lugar é meu, não do outro. É preciso cuidar dele... O corpo é meu, não do outro. Afirmar é difícil, ainda mais quando se encontra a transitoriedade das coisas... Mas a afirmação pode ser um estar e afirmo mais uma vez que não quero que doa. Essas palavras precisam sair assim, como quem conta, como quem canta... E atravessa confiante sem olhar para os lados. Atravesso eu para esse lugar. Desacelero. Sinto o chão. Confio no meu caminho. Meus vales, meus morros, meus abismos... Sim, sou eu. Nesse encontro, nesse abraço, nessa escrita...

Para ouvir: Tocando em frente (Almir Sater) - por Maria Bethânia

domingo, 14 de setembro de 2014

Sobre(vivendo) setembro II

Desenho: Danielle Souza




   LISTA: "Para dividir"


      - Crise de primavera talvez seja um nome poético para inferno astral.
      - Florescer dói.
      - Se plantar em casa cura...
        - Ouvir: Solitude – Mariana Aydar

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Sobre(vivendo) setembro I

LISTA "Porque isso não é sobre querer andar de mãos dadas com você pelas ruas de La Plata (mas poderia ser)":


- A escrita do lado de lá cá tem buracos.
- A palavra quer abandonar coisas...
- Procuro uma gata chamada Macabea para amar profundamente.


sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Titereiro


A busca do conforto vinda na mão que segura o lápis e faz a volta. A palavra quer curar o corpo no papel. A prisão do branco faz aceitar preenchimentos visíveis, palpáveis. Uma história tece a rede, sopra o sussurro da voz que acalenta e adormece em instante. A felicidade quer ser, mas há a marca do corpo que pesa, desmede. O mal-estar surpreende, atravessa o sono e desperta madrugadas tranquilas. O estômago dói existe. A cabeça dói existe. O útero dói existe. Cedo na tentativa voluntária de expelir a dor, encontro a recusa existente da garganta que se fecha. Os ralos – buracos que levam a não sei onde – permanecem intactos, ocos, numa espera infinita e noturna. Esse incômodo surge para ficar guardado, existindo. A mão segura firme o fio solto... Insone, a escrita compulsiva tenta se derramar mais rápido que a bile. Ilusão de controle. É ele – o corpo – que (falha, padece e) grita: agora escreve. Existe.


quarta-feira, 27 de agosto de 2014

"Se as estrelas são tantas, só mesmo o amor"

Preciso te contar que eu não sei escrever... Existe uma presença insistente daquilo que não há e que quer ser visto. Tento enxergar com o pensamento, mas o pensamento não alcança esse vazio. Então a palavra tece sobre ele, inventa, fantasia. É onde eu faço ter onde há tanta falta. Na lacuna entre o dizer e o sentido, aí que estou, não na palavra. É quase uma mentira. Eu falo dessa verdade impura, como somos todos nós.

A minha escrita não consegue ensinar da maneira como você quer porque ela pergunta mais que responde... Mas é a minha marca mais presente de que tudo me escapa, ela é o resto. Talvez consiga um respiro, uma distração, um sorriso... Explicação mesmo eu não tenho, quer dizer, tenho. Mas não resolve. Saber a gente até que sabe, mas sente assim mesmo.

Amiga, te dou aqui um abraço, um sopro, as mãos... E digo que compartilho das suas perguntas de Macabéa (aquelas, que não tem resposta).

Assim vamos indo... Cúmplices com o mundo.

(Para Rúbia)

Do buraco III


falo

-fato-

faço

(des)
faço

(re)
faço

e continua lá...

domingo, 24 de agosto de 2014

Bolhas de sabão


Olhares que se cruzam. Um corpo que vira e segura o instante do olhar que atravessa... Qual o cheiro do tempo suspenso naquelas escadas? Cotidianos de silêncios cronometrados, moletom e pêra.

Uma conversa que insiste, incide, a boca que quer abrir e desvia... Os olhos em fuga caminham, dentro fora dentro. Antecedem as mãos que não aguentam inquietas e soltam letra que faz laço, lança escrita em céu aberto. Um risco. Azul. Letra que encontra buracos, lacunas e aproxima. Letra que fura lá no fundo, faz(emos) nós...

Estradas, esquinas, lugar-comum. Das tardes doces de sol, limão e compromissos esquecidos. Da falta oferecida em abrigo. Dos silêncios mais sinceros. Das mãos que nunca souberam mentir. Coisas que gosto em você... O amor no corpo, desejo compartilhado, pedinte, querendo ser. Algo de encanto, algo que derrama, entrega, algo de desmesura... Nunca tão assim, nunca tão mulher. Rio que quer, não quer, chegar ao mar. E o mar, essa espera...

A queda, o susto, o lapso. Palavras que engasgam e desaparecem antes que eu pensasse em fechar os olhos. A mão que vacila marcando as ausências mais presentes... Arrancadas, escancaradas, feito porta que não fecha e range... Fio que se embola, escapa, o nó que aperta o peito-garganta-olhos-boca-pulmão-coração e espreme os choros mais doídos.

Anos que preferem existir em primaveras.

Foi-se uma duas, três, quatro, cinco. E agora era outra vez.

Com o gosto do sono na boca, abraços em trânsito, espaço deslocado ao chão. Cortinas não abraçam mais as janelas, o tempo tem dessas ressignificâncias...

Sua existência me atropela, abro passagem:

da linha mais próxima, à(s) próxima(s) linha(s)...

Carretéis.


sábado, 16 de agosto de 2014

Sob(re) gavetas





No canto do ponto, no verso da linha,

a invenção da memória.

Encontrei palavras guardadas na gaveta...

Estavam ali me esperando sair de casa,

descansando amor de mãe

e saudades refeitas de amarelo.

Restos do tempo que vira, volta e passa...


quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Pequeno manifesto por uma escrita com buracos



Texto tem que ter algo que fura, que atravessa.
Lugares por onde se possa vazar...
Onde o outro possa
                                         entrar,
                                                              misturar,
  se perder,                                                               
                                                                                  se encontrar,
                                                                                                                                            ultrapassar...


Que se incomode a academia,
não quero ser verbo sem sujeito.

quinta-feira, 31 de julho de 2014

Do buraco II



Alice,
            escrevo para lhe fechar delicadamente os olhos...

Sei que me entende e que não tem medo, eu tenho um pouco.
É preciso abrir os meus, Alice.
Os seus são tão bonitos que quero olhar por eles, como se seu mundo fosse sempre mais azul.
Invento histórias... 
Quis tanto saber como você amava!
Do seu amor eu nada sei, mas sei que preciso amar muito para estar com você.
Desse amor meu, sei menos ainda.
Vou te dar um beijo, Alice, eu quero. Um beijo nosso.
Encosto minha boca na sua como uma respiração e no sopro de vida, não vejo mais seus olhos.
Sua falta me preenche, escancara todos os vazios que há em mim, sinto frio.
Estou atravessada.
Reencontro o coelho branco como uma escolha possível, é um convite.
Um convite para o buraco.
Vou com o coelho, Alice...
Desses caminhos, aceito o tempo que ele carrega.
“Estou atrasado! Estou atrasado!” “É tarde! É tarde!” Sei que vou me acostumar com suas repetições.
O tempo do coelho é outro, incontrolável, sempre anterior.
Estou um pouco triste e assustada...
E por um instante pensei querer que seus olhos pudessem ler essa carta e me piscassem cúmplices.
Ao invés de fazer chegar até você, encaro o espelho. 
Vou encontrando meus olhos...
(Qual a cor do meu desejo?
Quem me vê, quando não te vejo?)
Eles sabem sorrir...

Ficamos assim, Alice...

Com fio.



Para ouvir: Blanco - Marisa Monte


quarta-feira, 16 de julho de 2014

Do buraco I

É preciso dar palavras ao desejo...
Ocupar essa coisa que se instala no estômago.
É preciso ir lá pacientemente alimentá-lo.
Sentar com ele lado a lado, convencê-lo a experimentar.
Desejo bem guardado não come qualquer coisa...

sexta-feira, 4 de julho de 2014

____________

Eu transitava com maestria a linha entre a chegada e o mais além. Até então escrevia ali, no limite da mentira. Saía do lugar comum e ia percorrer os contornos de ser. Mas queria mais e suspeitava que para isso era preciso perder. De repente queria me chutar pro lado de lá e cair sem graciosidade, rastejando. Para além da mentira não há verdade, há isso. Sente? Não faz sentido... Porque não me faço, te apresento essa minha sinceridade nua e quanto mais me aproximo dela menos você me crê. O olhar acostumado se apega aos mesmos visíveis. Para além da roupa, para além da pele, não vê? Mas é ali. Então escuta, ouve o que a minha palavra não diz. Ouve apenas o que ela é. Estou com antipatia das metáforas. Há beleza na metáfora. Há poesia também, não julgo. E um absurdo de expressão. Neste texto deveria haver palavra, apenas. Observe esse mar que encontra o céu num beijo no horizonte... Poderia falar desse beijo, das metáforas desse azul de fluxo e céu, mas te conto que estou no entre. Eu atravessei a metáfora e vim parar num lugar que não é atrás. Estou no vazio imenso e óbvio que você não vê porque vê o beijo. Não pense que sou melhor do que você ou que sou feliz. Sou no máximo capaz. Talvez estúpida. Sim, eu sou capaz de estar aqui e isso me dá uma espécie de prazer, um deslumbramento. Mas o tempo está passando, e pergunto ‘o que eu faço?’. É que me falta referências. Queria escrever daqui, não sobre aqui, não sei dizer. Queria conseguir sujar a palavra. Não consigo, não alcanço a insignificância necessária. Já se passaram 8 dias e a angústia é insuportável. Consigo um cigarro. Dois, três. E agradeço a fome que os acompanha. Arrumei uma função para o estômago e a angústia diminui por uns momentos. Mais tarde pego o diário, a caneta, escrevo duas frases e choro no travesseiro. Me levanto, risco uma palavra, paro. O tempo continua. Preciso dormir, me masturbo (aperto os botões certos da máquina do corpo). Existo brevemente em pequenos pulsos além de mim. Adormeço. Eu confundia o horário e chegava atrasada. Me desculpe, por favor, me desculpe, eu preciso! Eu preciso hoje, não estou dando conta... Você ainda me quer? Você me aceita? Por favor... É um pesadelo. Lembro de ter levado a outra no meu quarto e de que havia um buraco retangular na parede, um buraco laranja, vivo, de terra. Ela olhou esse buraco. Tentei esconder e ele continuou existindo. Mas ela não fez nenhum comentário. Pensava comigo, você também tem um! Eu sei que tem!, você gosta? Por que não somos cúmplices?, me diz alguma coisa, eu preciso ouvir... Acordo com muito frio, percebo meus pés. Quero um chão. Em algum lugar uma voz me pergunta de onde eu vim. Sinto alívio... Então tem um porto! Recolho meus fracassos, me esforço e inicio a volta. Não ter me parece ser a melhor maneira de partir.


Nadar,nadar,nadar, nada .ar! esse respiro que quebra além e retorna arrastando os restos do caminho, descubro o mar no feminino: A  mar.

quinta-feira, 19 de junho de 2014

lapsos: conversas com Clarice e Llansol...




"Eu transitava essa linha tênue entre a chegada e o mais além. Mas
queria mais e suspeitava que para isso era preciso perder...  Até então
escrevia ali, no limite da mentira."



"Pois como poderia eu dizer sem que a palavra mentisse por mim?"


“a língua é uma impostura. Mas é possível, em algum momento, atingir a
linguagem, a língua sem impostura. É isso o que o meu texto quer.
Quando me perguntam se escrevo ficção, tenho vontade de rir.
Ficção? Personagens que acordam, dormem, comem? Não, não tenho
nada a ver com isso. Para mim, não há metáforas. Uma coisa é ou não
é. Não existe o como se. O que escrevo é uma só narrativa, que vou
partindo, aos pedaços.”


"Para além da mentira não há verdade, há isso."

sábado, 14 de junho de 2014

da nudez I

com tudo aquilo que não tinha
ela se fez presente:

lhe deu as costas

ampliada em parênteses
desejava uma falta mais inteira que a sua

terça-feira, 3 de junho de 2014

A menina do penso quebrado

A menina tinha o penso quebrado! Nasceu assim, não sabia explicar, não sabia nem o que era isso e se espantava com as perguntas. Aliás, se espantar era algo que sabia muito bem... De resto, não sabia de quase tudo. Deixava cair o queixo e abria os olhos bem grande. De penso quebrado via que não há mistério no rabo das lagartixas. Mas há beleza ou feiura e o número de piruetas que ele dá antes de jazer inerte no chão. Via que o amarelo era amarelo, o azul era azul e que tinha gente que chamava o verde-água de azul-piscina e era isso mesmo, variâncias de olho... De penso quebrado, brincava de roda e de pique-esconde, comia manga e chocolate se lambuzando sincera e sem metafísica. E ela não precisava de penso pra saber que ficava às vezes triste e que tinha medo de escuro. Entender não entendia de nada não, mas existia assim, acreditando...

sábado, 24 de maio de 2014

domingo, 18 de maio de 2014

falta na memória

Bananeiras se ampliavam para selva escondendo o mundo. Há vida além do medo... Caqui, uva, limão, jabuticaba, coelho, gambá. E um sussurro rondando, sempre à espreita... Escadas anunciam o caminho. Para além delas, mais mundo, mais medo. Malas engolem crianças inteiras. Portas disfarçadas revelam encanamentos. A água flui abrigada entre as paredes, o fluxo em algum lugar por trás dos ombros. Entrava pela janela, subia nas portas. Não se pode pisar nas linhas entre os azulejos, jamais! Degraus são pulados num impulso: ...dois, três, quatro, cinco! O destino alçado desafiando a casa... Descer sempre foi mais fácil. Lá em cima, a travessia vinha antes da luz. Um labirinto à espera, o desejo escondido no ponto mais alto. Derrubava o medo sem abrir os olhos. O vazio abandonado sob a mesa chamava o nome do pai...

domingo, 4 de maio de 2014

Tabuleiro francês

Cuidadosamente eram desenformados nos tabuleiros de todos os dias. Sabores escolhidos com atenção... Para curar existências angustiadas. Receitas diferentes, todas com a mesma forma. Talhada no inconsciente devidamente controlado. As semanas passavam doces e ternas pelas mãos de quem sempre sabe o que é melhor. Pessoas controladas e encaixadas no tabuleiro de todos os dias. Peças escolhidas com atenção... Um jogo e suas regras: cada coisa em seu lugar, um lugar para cada coisa. Nesse mundo bem resolvido, Saint-Exupéry é mais que um consolo para o abandono...

"–A culpa é tua –disse o principezinho– Eu não queria te fazer mal; mas tu quiseste que eu te cativasse..."

É a isenção perfeita. E naquela casa a perfeição seria sempre mais importante que chocolate.

domingo, 27 de abril de 2014

do papel (,) do corpo


De repente havia um corpo!... Corpo-objeto de desejo, desvendado por outras mãos... As minhas um dia se ocupariam da escrita e tentariam criar um corpo próprio. Assumi o corpo como linguagem, existindo a partir da palavra... Escrever para compor um corpo. Incorporar... Porém há um corpo anterior que risca o papel. Que corpo é esse que escreve, mas não se inscreve? Um corpo que vibra, que arrepia, que pulsa... O corpo respondia a outro corpo. Quando esse outro se assemelhou ao meu foi um reconhecimento. Pegar, encostar, sentir. Com-tato. Olfato, audição, visão, paladar. Corpo sensível, formado de sentidos. Este corpo observava o chão escuro pedindo mergulho, quase um abismo. Um pé de cada lado. O último degrau, pesando o corpo para trás, faz questão de afirmar a gravidade. O impulso vem de uma impossibilidade. Mas esse impossível pede existência. Tentativas de se inscrever no espaço. Momento de perder-se... Esquecer de si neste instante-já, fugidio. O inesperado sangra. Grita sua insatisfação. O corpo adoece! Susto... Então o corpo nos escapa? Medo. A morte só existe porque há um corpo. E a vida? Há vida através do corpo, a-pesar do corpo... O meu encanto é quase um ato de resistência frente à dor. “Você não vai me impedir de ser” “Você não vai me impedir de me amar pelo que eu sou, mulher...”A morte é demasia do corpo, é corpo em plenitude. A vida não tem contrários. 

sábado, 19 de abril de 2014

Para Eros se lembrar da mãe II

Essa história se desenvolve em torno de uma questão: "presente ou presença?" Não há intuito de se responder à questão, mas na tentativa há um processo que se (des)construiu continuamente...


1º ato, ano 1, quarto: Meia noite e uma ideia adolescente.
...

2º ato, ano 2, outra cidade: Um fim antecede o início.
...

3º ato, ano 3, muro: Caneta, Clarice, cerveja e um amor imaginado.
...

4º ato, ano 4, por aí: 
.

sexta-feira, 18 de abril de 2014

(...)

Sempre haveria um desconhecer por trás das coisas... Algo que escapa, esquiva pelas frestas e segue por aí com vontade alheia e própria... Um não-saber que transita o tempo... A lacuna, o não-lugar, o através... Talvez daí viesse a poesia. De um real que é anterior e além... Que tenta se mostrar, mas é sempre incompleto... Marcando um outra vez que nunca é o mesmo, mas repete... E não cessa.

sexta-feira, 4 de abril de 2014

O grito I



Algo em mim sempre soube que ela viria.
Não me lembro da despedida...
Quantas histórias carregam o abandono daqueles degraus?

...

segunda-feira, 31 de março de 2014

da dor que não se há

Uma dor que não se escreve... Perdida de corpo, andando por aí. O corpo se forma no ato da palavra. Que desfia, escorre, caminha. As palavras buscam um resto de corpo por onde passar e então tecer outros corpos. Estão presas, encurraladas. Não há saída? Há de se fazer. Me esforço. É preciso compor um corpo para pertencer a dor. Elas vão se mostrando, não escolho... Escrevo. Escrevo. Escrevo. Mas cada palavra é pouco. Toda palavra é tanto. Eu tento...

segunda-feira, 17 de março de 2014

ELAS (momento ampliado de um instante de descuido)

Caminhos percorridos entre a fumaça...
Estradas que se franzem involuntárias...
Olhos que pe(r)dem sentido...
Culparia a primavera por aquele ato improvisado?

(Poética-Ana Cristina César)


sábado, 15 de março de 2014

Envelopes pardos

Em meio a tanta escrita, acaso nos importa ser Ana, ser Bárbara, ser Chico, ser tarde?

(...)

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Para Eros se lembrar da mãe I

Queria conseguir judiar da saudade
rasgar, cuspir, esfolar
Depois te devolver
saudade feia e mal acabada
sofrida e desgostosa
sincero presente
do fundo do
(poço)          coração.
                    

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

DA ESCRITA I

Todo nascimento do verbo anuncia uma morte...
Palavra que engasga na garganta,
palavra que tropeça em 'se' e volta.
E volta.
E volta...
A cada queda
da palavra,
uma perda
“coisa com mais perdas é o eu”

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Do remoto controle (com meu re-conhecimento)


06 de setembro de 2013
(...)
Os opostos às vezes são mais próximos que os meios. E estão em mim, inseparáveis.

                                              [Da série: "Fragmentos de costuras que se soltam entre capas verdes"]


sábado, 8 de fevereiro de 2014

Dos (des)encontros cotidianos

Que vida é essa que você pretende que aconteça em dias de coxas depiladas e calcinhas estratégicas, secadas com secador de cabelo? Nesse dia, pode ter certeza, seu celular vai tocar 8 vezes! E você vai se frustrar em todas elas. Receberá com desgosto ligações da sua mãe, da empresa de telefonia, da secretária do dentista, do seu irmão e de uns 4 amigos distantes com saudade.

Pelas estatísticas dos aparelhos sem bateria, das mensagens salvas nos rascunhos de celular, dos guardanapos perdidos com números de telefone e da escassez de crédito em chips pré-pagos é logicamente impossível que uma dessas ligações fosse ser o convite que você deseja.

Essa vida, honey, essa vida que você imagina, acontece com as borboletas do seu estômago desintegradas na adrenalina da ansiedade, nos copos solitários whisky e nas comédias românticas assistidas madrugada adentro (ou séries de zumbis, o que for de sua preferência.) Essa vida não existe para ser, assim, compartilhada...

Não digo isso para que se sinta mal, erga seu copo aqui comigo! Vamos brindar as tardes chuvosas em livrarias, os ônibus perdidos na rodoviária, as cartas de amor achadas em bancos de jardim… Um brinde às noites muito bem não dormidas e aos expressos na padaria no dia seguinte antes do trabalho. Às garrafas de vinho dividas com estranhos no meio da rua. À todas aquelas que mandam um foda-se para a cor das calcinhas e preferem colorir segundas-feiras.

Ah! (suspiro...) Um brinde às deliciosas e surpreendentes brincadeiras do destino.

sábado, 1 de fevereiro de 2014

Esquinas

31 de janeiro de 2014
"Dessa vez, pela primeira vez, a volta era uma ida..."
[Da série: "Fragmentos de costuras que se soltam entre capas verdes"]

...

A mala ao lado não me cabe em lembrança.
E pesa.
Somos o que fazemos dos restos que fizemos de nós.
Também...
Memórias suspiradas na poesia de um parafuso,
o olhar que surpreende e atravessa para um lugar refeito de mim,
   a estrada que se abre corajosa escrita ao anoitecer e esse ponto final que nunca, nunca chega


quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Legítima em defesa

06 de agosto de 2013

(...)
Legitimo minha tristeza no corpo que dói... E o corpo é palavra, linguagem. Que precisa sair de mim para que esse corpo exista, caminhe, com o retorno dessa palavra por outras vozes...
(...)
Quero existir com ela também... Como afeto, corpo e linguagem...

[Da série: Fragmentos de costuras que se soltam entre capas verdes]

Para ouvir: Palavras não falam - Mariana Aydar

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

06 de janeiro de alguns anos por aí

(Foto: Íris Jesus)

"Atravessar a rua era quase uma catarse..."
Talvez porque tropeçávamos em malas amarelas e rabos de lagartixas, outras vezes porque à certa altura da noite a seleta com mel e limão já se tornou companhia que transforma distraídos em parte da juventude universitária subversiva. Nesses momentos, que função melhor tem os celulares dos adultos trabalhadores senão distribuir amor em madrugadas de quinta feira, não é mesmo? E me convence! Só você é capaz de saber melhor que mim mesma que o fato de eu achar Holden Caulfield insuportavelmente adolescente não tem a ver com discriminação etária, mas representa uma chance a mais de eu tentar sentir o que seria receber uma carta escrita pelo Salinger... São nossas incursões nesse pequeno grande mundo que guarda sentido nas correspondências, máquinas de escrever e playlist rabiscadas em contracapas. Mundo compartilhado carregando caderninhos na bolsa e sabendo que um convite para a 35 obviamente significa levar histórias para passear no corredor... As tardes barroquianas estendem nossas teorias proféticas e ampliam os referenciais possíveis. “Isso é Lacan, bêbado!” Com certeza. Reunido com Dom Quixote, Cartola, Ana Cristina César. Por vezes influenciando a criação de tatuagens autorais e caixinhas de fósforo que anunciam The Doors. Quem sabe por isso tenha te escolhido para guardar minhas referências! Você percebe como essa liberdade de cada um pela própria vida mexe com a minha literatura... “Toma, escreve!” E seu imperativo é como um convite para a criança se sentar no balanço mais alto do parquinho e arriscar tirar os pés do chão. “Eu quero te ler...” Essa necessidade movente que nos atropela e você transforma em finais para além de Hollywood... O abandono e a falta. A escrita de uma beleza sincera que costura (des)caminhos entre tantas vidas possíveis...

Se chegou até aqui, queria dizer que não precisa mais ter medo caso façamos aquelas nossas camisetas ameaçadoras de escritoras terroristas, deve ter percebido que acabo de riscar teu nome. Especificamente hoje, venho apenas te oferecer dedos saudáveis, cafés merecedores de saraus involuntários, bancos de madeira que contam histórias de esquilos apaixonados, amores que tremem sete vezes antes do luto final e essa música aí embaixo (um pleonasmo! Já que você bem sabe que atrás de cada terno que segura um Nextel na mão existe uma criança sonhando em tirar a gravata e subir num pé de jabuticaba...)



Pequeno aviso fundamental àqueles que tem dificuldade de interpretação de texto: é óbvio que isso não é uma carta, é apenas literatura!