quarta-feira, 25 de julho de 2018

para passar junho




de olhos bem fechados, sentar e escrever. apagar a memória obscena, refazer a morte do amor e cuidar para que ele se acalme. sofrer a humanidade escancarada enquanto ainda há tempo.

são sempre elas. porém não todas, elas. e eu dessa vez a querer romper o silêncio agressiva, performar verdades por saber sobre ela, nunca tão sua quanto dela. será que a amaria assim? por tudo aquilo que ela não é? não digo nada. vejo que insiste, encena. com aquela coragem de principiante que me dói. a autenticidade ingênua da primeira vez, a conquista desmedida, depravada.

tento esquecer o que a vista me cansa de buscar repetir. os olhos não olham para lugar nenhum, às vezes para a letra e só. absolutamente. os mesmos que olharam para ela, já não estão. assustada a chorar desconsolos, desfaço caminhos certos, me afasto até chegar espantada onde me encontro em falta. sou eu agora, mulher de ninguém. esse ninguém que escreve para um outro não ver.

sábado, 21 de abril de 2018

(cidad)ela

 
o desejo confesso em ser paisagem 
percorrer incansavelmente as esquinas
deste corpo
perder.
encontrar abrigo no lugar onde a mulher habita
incontestável
ao sentar-se sem apoiar os pés
no chão
ela própria a cidade encoberta,
arquitetada em enigma
e janelas abertas a olhar
para fora do enquadramento.

domingo, 10 de dezembro de 2017

talvez você


em terceira pessoa, pois talvez você não seja a quem este texto se dirige. à uma terceira pessoa que ocupe o lugar do destinatário como a marca de uma escolha. a terceira pessoa, no caso, ele, surge no texto a partir de sua ausência.

então ele não chega e eu a olhar atenta e esperançosa os carros maiores a descer e subir a rua. não que ele tenha dito que chegaria hoje, eu que gosto de imaginar surpresas, uma forma de não deixar o silêncio tão vazio. revivo repetidamente as memórias boas de nossos dias, como uma história que chega pelo meio e aguarda após a respiração da vírgula o caminho seguinte, mas não só.

por vezes ele me sai da cabeça. então assustada sigo a refazer lembranças da ausência. o dia em que não me olhou, as histórias que não ouviu, o café não experimentado, as pedras que não presenciaram nossas mãos dadas, banhos de cachoeira não acontecidos. tudo isso pensado com um certo rancor, aquele que acompanha a tristeza de quem se vê interrompida do prazer de tantas possibilidades. como um livro cheio de começos belos e apenas começos.

aprecio muito os bons começos.

e dentre os nossos começos um deles se deu pela palavra. sei que nunca se termina no mesmo ponto onde se iniciou, eu não ensaio um fim, não pretendo. sentada ao chão do quarto estamos eu e a escrita, sabendo que deixar vazio o lugar do destinatário não é contingência, é inevitável. escrever é costurar a ausência na terceira pessoa. é, mais uma vez, e sempre, tentativa de achar começo.

um convite.

terça-feira, 28 de novembro de 2017

destinatário




porque ao saber daqueles olhos sobre meu texto me soube mais uma vez mulher.
e quis ficar. havia quase me esquecido de como é se entregar na escrita, doar-se, doer-se a alguém que recebe essas palavras, restos de um corpo em movimento. agora, de volta à página, na novidade de um texto não tão novo, essa urgência: desocupo o lugar do destinatário, é um convite no qual me apresento em papel, poros e pele. nua, à espera de alguém que me acolha e não se assuste. quero fazer sexo com seu texto. mas o gozo é pra ser no corpo, a letra é desejo. quero fazer texto com seu sexo.