domingo, 10 de dezembro de 2017

talvez você


em terceira pessoa, pois talvez você não seja a quem este texto se dirige. à uma terceira pessoa que ocupe o lugar do destinatário como a marca de uma escolha. a terceira pessoa, no caso, ele, surge no texto a partir de sua ausência.

então ele não chega e eu a olhar atenta e esperançosa os carros maiores a descer e subir a rua. não que ele tenha dito que chegaria hoje, eu que gosto de imaginar surpresas, uma forma de não deixar o silêncio tão vazio. revivo repetidamente as memórias boas de nossos dias, como uma história que chega pelo meio e aguarda após a respiração da vírgula o caminho seguinte, mas não só.

por vezes ele me sai da cabeça. então assustada sigo a refazer lembranças da ausência. o dia em que não me olhou, as histórias que não ouviu, o café não experimentado, as pedras que não presenciaram nossas mãos dadas, banhos de cachoeira não acontecidos. tudo isso pensado com um certo rancor, aquele que acompanha a tristeza de quem se vê interrompida do prazer de tantas possibilidades. como um livro cheio de começos belos e apenas começos.

aprecio muito os bons começos.

e dentre os nossos começos um deles se deu pela palavra. sei que nunca se termina no mesmo ponto onde se iniciou, eu não ensaio um fim, não pretendo. sentada ao chão do quarto estamos eu e a escrita, sabendo que deixar vazio o lugar do destinatário não é contingência, é inevitável. escrever é costurar a ausência na terceira pessoa. é, mais uma vez, e sempre, tentativa de achar começo.

um convite.