quinta-feira, 31 de julho de 2014

Do buraco II



Alice,
            escrevo para lhe fechar delicadamente os olhos...

Sei que me entende e que não tem medo, eu tenho um pouco.
É preciso abrir os meus, Alice.
Os seus são tão bonitos que quero olhar por eles, como se seu mundo fosse sempre mais azul.
Invento histórias... 
Quis tanto saber como você amava!
Do seu amor eu nada sei, mas sei que preciso amar muito para estar com você.
Desse amor meu, sei menos ainda.
Vou te dar um beijo, Alice, eu quero. Um beijo nosso.
Encosto minha boca na sua como uma respiração e no sopro de vida, não vejo mais seus olhos.
Sua falta me preenche, escancara todos os vazios que há em mim, sinto frio.
Estou atravessada.
Reencontro o coelho branco como uma escolha possível, é um convite.
Um convite para o buraco.
Vou com o coelho, Alice...
Desses caminhos, aceito o tempo que ele carrega.
“Estou atrasado! Estou atrasado!” “É tarde! É tarde!” Sei que vou me acostumar com suas repetições.
O tempo do coelho é outro, incontrolável, sempre anterior.
Estou um pouco triste e assustada...
E por um instante pensei querer que seus olhos pudessem ler essa carta e me piscassem cúmplices.
Ao invés de fazer chegar até você, encaro o espelho. 
Vou encontrando meus olhos...
(Qual a cor do meu desejo?
Quem me vê, quando não te vejo?)
Eles sabem sorrir...

Ficamos assim, Alice...

Com fio.



Para ouvir: Blanco - Marisa Monte


quarta-feira, 16 de julho de 2014

Do buraco I

É preciso dar palavras ao desejo...
Ocupar essa coisa que se instala no estômago.
É preciso ir lá pacientemente alimentá-lo.
Sentar com ele lado a lado, convencê-lo a experimentar.
Desejo bem guardado não come qualquer coisa...

sexta-feira, 4 de julho de 2014

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Eu transitava com maestria a linha entre a chegada e o mais além. Até então escrevia ali, no limite da mentira. Saía do lugar comum e ia percorrer os contornos de ser. Mas queria mais e suspeitava que para isso era preciso perder. De repente queria me chutar pro lado de lá e cair sem graciosidade, rastejando. Para além da mentira não há verdade, há isso. Sente? Não faz sentido... Porque não me faço, te apresento essa minha sinceridade nua e quanto mais me aproximo dela menos você me crê. O olhar acostumado se apega aos mesmos visíveis. Para além da roupa, para além da pele, não vê? Mas é ali. Então escuta, ouve o que a minha palavra não diz. Ouve apenas o que ela é. Estou com antipatia das metáforas. Há beleza na metáfora. Há poesia também, não julgo. E um absurdo de expressão. Neste texto deveria haver palavra, apenas. Observe esse mar que encontra o céu num beijo no horizonte... Poderia falar desse beijo, das metáforas desse azul de fluxo e céu, mas te conto que estou no entre. Eu atravessei a metáfora e vim parar num lugar que não é atrás. Estou no vazio imenso e óbvio que você não vê porque vê o beijo. Não pense que sou melhor do que você ou que sou feliz. Sou no máximo capaz. Talvez estúpida. Sim, eu sou capaz de estar aqui e isso me dá uma espécie de prazer, um deslumbramento. Mas o tempo está passando, e pergunto ‘o que eu faço?’. É que me falta referências. Queria escrever daqui, não sobre aqui, não sei dizer. Queria conseguir sujar a palavra. Não consigo, não alcanço a insignificância necessária. Já se passaram 8 dias e a angústia é insuportável. Consigo um cigarro. Dois, três. E agradeço a fome que os acompanha. Arrumei uma função para o estômago e a angústia diminui por uns momentos. Mais tarde pego o diário, a caneta, escrevo duas frases e choro no travesseiro. Me levanto, risco uma palavra, paro. O tempo continua. Preciso dormir, me masturbo (aperto os botões certos da máquina do corpo). Existo brevemente em pequenos pulsos além de mim. Adormeço. Eu confundia o horário e chegava atrasada. Me desculpe, por favor, me desculpe, eu preciso! Eu preciso hoje, não estou dando conta... Você ainda me quer? Você me aceita? Por favor... É um pesadelo. Lembro de ter levado a outra no meu quarto e de que havia um buraco retangular na parede, um buraco laranja, vivo, de terra. Ela olhou esse buraco. Tentei esconder e ele continuou existindo. Mas ela não fez nenhum comentário. Pensava comigo, você também tem um! Eu sei que tem!, você gosta? Por que não somos cúmplices?, me diz alguma coisa, eu preciso ouvir... Acordo com muito frio, percebo meus pés. Quero um chão. Em algum lugar uma voz me pergunta de onde eu vim. Sinto alívio... Então tem um porto! Recolho meus fracassos, me esforço e inicio a volta. Não ter me parece ser a melhor maneira de partir.


Nadar,nadar,nadar, nada .ar! esse respiro que quebra além e retorna arrastando os restos do caminho, descubro o mar no feminino: A  mar.