terça-feira, 2 de abril de 2013

Mistura, aconchego e pequenas composições cotidianas


Então já não era mais segunda-feira e lá estava você, ajeitando calmamente algumas molduras quadradas na parede... Sentada na mesinha redonda que faz conjunto com duas cadeiras elegantes de três pernas, eu observo atenta os seus movimentos enquanto minhas mãos brincam em cima da mesa com peças de cerâmica que moldei num curso de anos atrás. Separadas, suas fotos emolduradas e minhas cerâmicas nos apresentam uma vida não compartilhada... Porém juntas, se transformam em momentos dessa casa que agora se faz nossa.

Nossa como? quando? por quê? para quê? Nossa... (e você levantaria os ombros com cara de quem aprecia me mostrar a inevitável beleza das coisas inexplicáveis...) Hoje estamos assim, amanhã, quem sabe? Sem cômodos muito bem definidos. Compúnhamos um espaço em harmonia, em movimento, nos misturando, (re)descobrindo, nos (re)conhecendo...

O jeito como você agora parou na porta no meio do passo de costas para mim, apoiando uma das mãos no marco de madeira e espiando pensativa, por exemplo. A perna de trás permanece na ponta do pé, desenhando o tempo de uma ação suspensa... Nesse meio instante, eu penso no balanço de madeira que eu tinha quando era pequena e lembro também de que eu gostava de virar a rede na casa de vó formando um casulo e me balançar ao contrário, com o corpo na parte de baixo, agarrada ao tecido, e que seria feliz colocar uma rede dentro de casa. E enquanto eu procuro um espaço onde dê pra balançar, você já transpassou cômodo adentro e no fluxo completamos escolhas...

Na espera de pequenas surpresas cotidianas, me permito ir com seus movimentos... Meus olhos seguiram encontrando parte do cômodo onde você entrou e eu penso que gosto de ladrilhos coloridos e que talvez pinte um daqueles quadradinhos brancos, em cima da bancada, de verde! Aquele, perto da caixinha de chás. Então quando você fosse escolher o chá, me encontraria ali e seria você também. E talvez você trocasse a caixinha de lugar e colocasse, não sei, uma flor ao lado do azulejo verde! Um cravo. Ou lírios... Violetas, margaridas, crisântemos, espatódeas? E quando eu fosse descansar os olhos no azulejo seria você a flor e eu também me encontraria...

Você voltou e está sentada do outro lado da mesa na nossa cadeira de três pernas, com uma xícara vermelha saindo fumaça e mexendo displicentemente um sachê de chá. Eu olho para baixo e tenho uma xícara amarela... “Você ainda não sabe que eu não gosto de amarelo!” – me surpreendo. “Será?” A xícara amarela é um pequeno convite. Você segura a xícara com as duas mãos e os cotovelos apoiados na mesa e sopra o chá de leve formando pequenas ondas na superfície... Se eu fizesse o mesmo agora, embaçaria meus óculos e talvez você achasse divertido! Antes de beber, você ergue os olhos da sua xícara e me observa com as sobrancelhas levemente levantadas em uma expectativa encorajadora... E eu me penduro nesse instante assim como você se pendurou no marco da porta, e meus olhos contornam sua boca, seu pescoço, seus ombros, descem pelo seu braço e encontram seus cotovelos ao lado de uma peça de cerâmica. Pego a xícara na minha frente, arrisco um gole, e você está sorrindo. Sorrio de volta, tímida e cúmplice. A partir de hoje acolho xícaras amarelas. Espero que você encante azulejos verdes...