Eu transitava com
maestria a linha entre a chegada e o mais além. Até então escrevia ali, no
limite da mentira. Saía do lugar comum e ia percorrer os contornos de ser. Mas
queria mais e suspeitava que para isso era preciso perder. De repente queria me
chutar pro lado de lá e cair sem graciosidade, rastejando. Para além da mentira
não há verdade, há isso. Sente? Não faz sentido... Porque não me faço, te
apresento essa minha sinceridade nua e quanto mais me aproximo dela menos você
me crê. O olhar acostumado se apega aos mesmos visíveis. Para além da roupa,
para além da pele, não vê? Mas é ali. Então escuta, ouve o que a minha palavra
não diz. Ouve apenas o que ela é. Estou com antipatia das metáforas. Há beleza
na metáfora. Há poesia também, não julgo. E um absurdo de expressão. Neste
texto deveria haver palavra, apenas. Observe esse mar que encontra o céu num
beijo no horizonte... Poderia falar desse beijo, das metáforas desse azul de
fluxo e céu, mas te conto que estou no entre. Eu atravessei a metáfora e vim
parar num lugar que não é atrás. Estou no vazio imenso e óbvio que você não vê
porque vê o beijo. Não pense que sou melhor do que você ou que sou feliz. Sou
no máximo capaz. Talvez estúpida. Sim, eu sou capaz de estar aqui e isso me dá
uma espécie de prazer, um deslumbramento. Mas o tempo está passando, e pergunto
‘o que eu faço?’. É que me falta referências. Queria escrever daqui, não sobre
aqui, não sei dizer. Queria conseguir sujar a palavra. Não consigo, não alcanço
a insignificância necessária. Já se passaram 8 dias e a angústia é
insuportável. Consigo um cigarro. Dois, três. E agradeço a fome que os
acompanha. Arrumei uma função para o estômago e a angústia diminui por uns
momentos. Mais tarde pego o diário, a caneta, escrevo duas frases e choro no
travesseiro. Me levanto, risco uma palavra, paro. O tempo continua. Preciso
dormir, me masturbo (aperto os botões certos da máquina do corpo). Existo
brevemente em pequenos pulsos além de mim. Adormeço. Eu confundia o horário e chegava atrasada. Me desculpe, por favor, me
desculpe, eu preciso! Eu preciso hoje, não estou dando conta... Você ainda me
quer? Você me aceita? Por favor... É um pesadelo. Lembro de ter levado a
outra no meu quarto e de que havia um buraco retangular na parede, um buraco
laranja, vivo, de terra. Ela olhou esse buraco. Tentei esconder e ele continuou
existindo. Mas ela não fez nenhum comentário. Pensava comigo, você também tem um! Eu sei que tem!, você
gosta? Por que não somos cúmplices?, me diz alguma coisa, eu preciso ouvir... Acordo com muito frio, percebo meus pés. Quero um chão. Em algum lugar uma voz
me pergunta de onde eu vim. Sinto alívio... Então tem um porto! Recolho meus fracassos, me esforço e inicio a volta. Não
ter me parece ser a melhor maneira de partir.
Nadar,nadar,nadar, nada
.ar! esse respiro que quebra além e retorna arrastando os restos do caminho, descubro
o mar no feminino: A mar.
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