sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Titereiro


A busca do conforto vinda na mão que segura o lápis e faz a volta. A palavra quer curar o corpo no papel. A prisão do branco faz aceitar preenchimentos visíveis, palpáveis. Uma história tece a rede, sopra o sussurro da voz que acalenta e adormece em instante. A felicidade quer ser, mas há a marca do corpo que pesa, desmede. O mal-estar surpreende, atravessa o sono e desperta madrugadas tranquilas. O estômago dói existe. A cabeça dói existe. O útero dói existe. Cedo na tentativa voluntária de expelir a dor, encontro a recusa existente da garganta que se fecha. Os ralos – buracos que levam a não sei onde – permanecem intactos, ocos, numa espera infinita e noturna. Esse incômodo surge para ficar guardado, existindo. A mão segura firme o fio solto... Insone, a escrita compulsiva tenta se derramar mais rápido que a bile. Ilusão de controle. É ele – o corpo – que (falha, padece e) grita: agora escreve. Existe.


quarta-feira, 27 de agosto de 2014

"Se as estrelas são tantas, só mesmo o amor"

Preciso te contar que eu não sei escrever... Existe uma presença insistente daquilo que não há e que quer ser visto. Tento enxergar com o pensamento, mas o pensamento não alcança esse vazio. Então a palavra tece sobre ele, inventa, fantasia. É onde eu faço ter onde há tanta falta. Na lacuna entre o dizer e o sentido, aí que estou, não na palavra. É quase uma mentira. Eu falo dessa verdade impura, como somos todos nós.

A minha escrita não consegue ensinar da maneira como você quer porque ela pergunta mais que responde... Mas é a minha marca mais presente de que tudo me escapa, ela é o resto. Talvez consiga um respiro, uma distração, um sorriso... Explicação mesmo eu não tenho, quer dizer, tenho. Mas não resolve. Saber a gente até que sabe, mas sente assim mesmo.

Amiga, te dou aqui um abraço, um sopro, as mãos... E digo que compartilho das suas perguntas de Macabéa (aquelas, que não tem resposta).

Assim vamos indo... Cúmplices com o mundo.

(Para Rúbia)

Do buraco III


falo

-fato-

faço

(des)
faço

(re)
faço

e continua lá...

domingo, 24 de agosto de 2014

Bolhas de sabão


Olhares que se cruzam. Um corpo que vira e segura o instante do olhar que atravessa... Qual o cheiro do tempo suspenso naquelas escadas? Cotidianos de silêncios cronometrados, moletom e pêra.

Uma conversa que insiste, incide, a boca que quer abrir e desvia... Os olhos em fuga caminham, dentro fora dentro. Antecedem as mãos que não aguentam inquietas e soltam letra que faz laço, lança escrita em céu aberto. Um risco. Azul. Letra que encontra buracos, lacunas e aproxima. Letra que fura lá no fundo, faz(emos) nós...

Estradas, esquinas, lugar-comum. Das tardes doces de sol, limão e compromissos esquecidos. Da falta oferecida em abrigo. Dos silêncios mais sinceros. Das mãos que nunca souberam mentir. Coisas que gosto em você... O amor no corpo, desejo compartilhado, pedinte, querendo ser. Algo de encanto, algo que derrama, entrega, algo de desmesura... Nunca tão assim, nunca tão mulher. Rio que quer, não quer, chegar ao mar. E o mar, essa espera...

A queda, o susto, o lapso. Palavras que engasgam e desaparecem antes que eu pensasse em fechar os olhos. A mão que vacila marcando as ausências mais presentes... Arrancadas, escancaradas, feito porta que não fecha e range... Fio que se embola, escapa, o nó que aperta o peito-garganta-olhos-boca-pulmão-coração e espreme os choros mais doídos.

Anos que preferem existir em primaveras.

Foi-se uma duas, três, quatro, cinco. E agora era outra vez.

Com o gosto do sono na boca, abraços em trânsito, espaço deslocado ao chão. Cortinas não abraçam mais as janelas, o tempo tem dessas ressignificâncias...

Sua existência me atropela, abro passagem:

da linha mais próxima, à(s) próxima(s) linha(s)...

Carretéis.


sábado, 16 de agosto de 2014

Sob(re) gavetas





No canto do ponto, no verso da linha,

a invenção da memória.

Encontrei palavras guardadas na gaveta...

Estavam ali me esperando sair de casa,

descansando amor de mãe

e saudades refeitas de amarelo.

Restos do tempo que vira, volta e passa...


quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Pequeno manifesto por uma escrita com buracos



Texto tem que ter algo que fura, que atravessa.
Lugares por onde se possa vazar...
Onde o outro possa
                                         entrar,
                                                              misturar,
  se perder,                                                               
                                                                                  se encontrar,
                                                                                                                                            ultrapassar...


Que se incomode a academia,
não quero ser verbo sem sujeito.

quinta-feira, 31 de julho de 2014

Do buraco II



Alice,
            escrevo para lhe fechar delicadamente os olhos...

Sei que me entende e que não tem medo, eu tenho um pouco.
É preciso abrir os meus, Alice.
Os seus são tão bonitos que quero olhar por eles, como se seu mundo fosse sempre mais azul.
Invento histórias... 
Quis tanto saber como você amava!
Do seu amor eu nada sei, mas sei que preciso amar muito para estar com você.
Desse amor meu, sei menos ainda.
Vou te dar um beijo, Alice, eu quero. Um beijo nosso.
Encosto minha boca na sua como uma respiração e no sopro de vida, não vejo mais seus olhos.
Sua falta me preenche, escancara todos os vazios que há em mim, sinto frio.
Estou atravessada.
Reencontro o coelho branco como uma escolha possível, é um convite.
Um convite para o buraco.
Vou com o coelho, Alice...
Desses caminhos, aceito o tempo que ele carrega.
“Estou atrasado! Estou atrasado!” “É tarde! É tarde!” Sei que vou me acostumar com suas repetições.
O tempo do coelho é outro, incontrolável, sempre anterior.
Estou um pouco triste e assustada...
E por um instante pensei querer que seus olhos pudessem ler essa carta e me piscassem cúmplices.
Ao invés de fazer chegar até você, encaro o espelho. 
Vou encontrando meus olhos...
(Qual a cor do meu desejo?
Quem me vê, quando não te vejo?)
Eles sabem sorrir...

Ficamos assim, Alice...

Com fio.



Para ouvir: Blanco - Marisa Monte


quarta-feira, 16 de julho de 2014

Do buraco I

É preciso dar palavras ao desejo...
Ocupar essa coisa que se instala no estômago.
É preciso ir lá pacientemente alimentá-lo.
Sentar com ele lado a lado, convencê-lo a experimentar.
Desejo bem guardado não come qualquer coisa...

sexta-feira, 4 de julho de 2014

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Eu transitava com maestria a linha entre a chegada e o mais além. Até então escrevia ali, no limite da mentira. Saía do lugar comum e ia percorrer os contornos de ser. Mas queria mais e suspeitava que para isso era preciso perder. De repente queria me chutar pro lado de lá e cair sem graciosidade, rastejando. Para além da mentira não há verdade, há isso. Sente? Não faz sentido... Porque não me faço, te apresento essa minha sinceridade nua e quanto mais me aproximo dela menos você me crê. O olhar acostumado se apega aos mesmos visíveis. Para além da roupa, para além da pele, não vê? Mas é ali. Então escuta, ouve o que a minha palavra não diz. Ouve apenas o que ela é. Estou com antipatia das metáforas. Há beleza na metáfora. Há poesia também, não julgo. E um absurdo de expressão. Neste texto deveria haver palavra, apenas. Observe esse mar que encontra o céu num beijo no horizonte... Poderia falar desse beijo, das metáforas desse azul de fluxo e céu, mas te conto que estou no entre. Eu atravessei a metáfora e vim parar num lugar que não é atrás. Estou no vazio imenso e óbvio que você não vê porque vê o beijo. Não pense que sou melhor do que você ou que sou feliz. Sou no máximo capaz. Talvez estúpida. Sim, eu sou capaz de estar aqui e isso me dá uma espécie de prazer, um deslumbramento. Mas o tempo está passando, e pergunto ‘o que eu faço?’. É que me falta referências. Queria escrever daqui, não sobre aqui, não sei dizer. Queria conseguir sujar a palavra. Não consigo, não alcanço a insignificância necessária. Já se passaram 8 dias e a angústia é insuportável. Consigo um cigarro. Dois, três. E agradeço a fome que os acompanha. Arrumei uma função para o estômago e a angústia diminui por uns momentos. Mais tarde pego o diário, a caneta, escrevo duas frases e choro no travesseiro. Me levanto, risco uma palavra, paro. O tempo continua. Preciso dormir, me masturbo (aperto os botões certos da máquina do corpo). Existo brevemente em pequenos pulsos além de mim. Adormeço. Eu confundia o horário e chegava atrasada. Me desculpe, por favor, me desculpe, eu preciso! Eu preciso hoje, não estou dando conta... Você ainda me quer? Você me aceita? Por favor... É um pesadelo. Lembro de ter levado a outra no meu quarto e de que havia um buraco retangular na parede, um buraco laranja, vivo, de terra. Ela olhou esse buraco. Tentei esconder e ele continuou existindo. Mas ela não fez nenhum comentário. Pensava comigo, você também tem um! Eu sei que tem!, você gosta? Por que não somos cúmplices?, me diz alguma coisa, eu preciso ouvir... Acordo com muito frio, percebo meus pés. Quero um chão. Em algum lugar uma voz me pergunta de onde eu vim. Sinto alívio... Então tem um porto! Recolho meus fracassos, me esforço e inicio a volta. Não ter me parece ser a melhor maneira de partir.


Nadar,nadar,nadar, nada .ar! esse respiro que quebra além e retorna arrastando os restos do caminho, descubro o mar no feminino: A  mar.

quinta-feira, 19 de junho de 2014

lapsos: conversas com Clarice e Llansol...




"Eu transitava essa linha tênue entre a chegada e o mais além. Mas
queria mais e suspeitava que para isso era preciso perder...  Até então
escrevia ali, no limite da mentira."



"Pois como poderia eu dizer sem que a palavra mentisse por mim?"


“a língua é uma impostura. Mas é possível, em algum momento, atingir a
linguagem, a língua sem impostura. É isso o que o meu texto quer.
Quando me perguntam se escrevo ficção, tenho vontade de rir.
Ficção? Personagens que acordam, dormem, comem? Não, não tenho
nada a ver com isso. Para mim, não há metáforas. Uma coisa é ou não
é. Não existe o como se. O que escrevo é uma só narrativa, que vou
partindo, aos pedaços.”


"Para além da mentira não há verdade, há isso."

sábado, 14 de junho de 2014

da nudez I

com tudo aquilo que não tinha
ela se fez presente:

lhe deu as costas

ampliada em parênteses
desejava uma falta mais inteira que a sua