sábado, 8 de fevereiro de 2014

Dos (des)encontros cotidianos

Que vida é essa que você pretende que aconteça em dias de coxas depiladas e calcinhas estratégicas, secadas com secador de cabelo? Nesse dia, pode ter certeza, seu celular vai tocar 8 vezes! E você vai se frustrar em todas elas. Receberá com desgosto ligações da sua mãe, da empresa de telefonia, da secretária do dentista, do seu irmão e de uns 4 amigos distantes com saudade.

Pelas estatísticas dos aparelhos sem bateria, das mensagens salvas nos rascunhos de celular, dos guardanapos perdidos com números de telefone e da escassez de crédito em chips pré-pagos é logicamente impossível que uma dessas ligações fosse ser o convite que você deseja.

Essa vida, honey, essa vida que você imagina, acontece com as borboletas do seu estômago desintegradas na adrenalina da ansiedade, nos copos solitários whisky e nas comédias românticas assistidas madrugada adentro (ou séries de zumbis, o que for de sua preferência.) Essa vida não existe para ser, assim, compartilhada...

Não digo isso para que se sinta mal, erga seu copo aqui comigo! Vamos brindar as tardes chuvosas em livrarias, os ônibus perdidos na rodoviária, as cartas de amor achadas em bancos de jardim… Um brinde às noites muito bem não dormidas e aos expressos na padaria no dia seguinte antes do trabalho. Às garrafas de vinho dividas com estranhos no meio da rua. À todas aquelas que mandam um foda-se para a cor das calcinhas e preferem colorir segundas-feiras.

Ah! (suspiro...) Um brinde às deliciosas e surpreendentes brincadeiras do destino.

sábado, 1 de fevereiro de 2014

Esquinas

31 de janeiro de 2014
"Dessa vez, pela primeira vez, a volta era uma ida..."
[Da série: "Fragmentos de costuras que se soltam entre capas verdes"]

...

A mala ao lado não me cabe em lembrança.
E pesa.
Somos o que fazemos dos restos que fizemos de nós.
Também...
Memórias suspiradas na poesia de um parafuso,
o olhar que surpreende e atravessa para um lugar refeito de mim,
   a estrada que se abre corajosa escrita ao anoitecer e esse ponto final que nunca, nunca chega


quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Legítima em defesa

06 de agosto de 2013

(...)
Legitimo minha tristeza no corpo que dói... E o corpo é palavra, linguagem. Que precisa sair de mim para que esse corpo exista, caminhe, com o retorno dessa palavra por outras vozes...
(...)
Quero existir com ela também... Como afeto, corpo e linguagem...

[Da série: Fragmentos de costuras que se soltam entre capas verdes]

Para ouvir: Palavras não falam - Mariana Aydar

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

06 de janeiro de alguns anos por aí

(Foto: Íris Jesus)

"Atravessar a rua era quase uma catarse..."
Talvez porque tropeçávamos em malas amarelas e rabos de lagartixas, outras vezes porque à certa altura da noite a seleta com mel e limão já se tornou companhia que transforma distraídos em parte da juventude universitária subversiva. Nesses momentos, que função melhor tem os celulares dos adultos trabalhadores senão distribuir amor em madrugadas de quinta feira, não é mesmo? E me convence! Só você é capaz de saber melhor que mim mesma que o fato de eu achar Holden Caulfield insuportavelmente adolescente não tem a ver com discriminação etária, mas representa uma chance a mais de eu tentar sentir o que seria receber uma carta escrita pelo Salinger... São nossas incursões nesse pequeno grande mundo que guarda sentido nas correspondências, máquinas de escrever e playlist rabiscadas em contracapas. Mundo compartilhado carregando caderninhos na bolsa e sabendo que um convite para a 35 obviamente significa levar histórias para passear no corredor... As tardes barroquianas estendem nossas teorias proféticas e ampliam os referenciais possíveis. “Isso é Lacan, bêbado!” Com certeza. Reunido com Dom Quixote, Cartola, Ana Cristina César. Por vezes influenciando a criação de tatuagens autorais e caixinhas de fósforo que anunciam The Doors. Quem sabe por isso tenha te escolhido para guardar minhas referências! Você percebe como essa liberdade de cada um pela própria vida mexe com a minha literatura... “Toma, escreve!” E seu imperativo é como um convite para a criança se sentar no balanço mais alto do parquinho e arriscar tirar os pés do chão. “Eu quero te ler...” Essa necessidade movente que nos atropela e você transforma em finais para além de Hollywood... O abandono e a falta. A escrita de uma beleza sincera que costura (des)caminhos entre tantas vidas possíveis...

Se chegou até aqui, queria dizer que não precisa mais ter medo caso façamos aquelas nossas camisetas ameaçadoras de escritoras terroristas, deve ter percebido que acabo de riscar teu nome. Especificamente hoje, venho apenas te oferecer dedos saudáveis, cafés merecedores de saraus involuntários, bancos de madeira que contam histórias de esquilos apaixonados, amores que tremem sete vezes antes do luto final e essa música aí embaixo (um pleonasmo! Já que você bem sabe que atrás de cada terno que segura um Nextel na mão existe uma criança sonhando em tirar a gravata e subir num pé de jabuticaba...)



Pequeno aviso fundamental àqueles que tem dificuldade de interpretação de texto: é óbvio que isso não é uma carta, é apenas literatura!

domingo, 12 de janeiro de 2014

Belo Horizonte, 31 de maio de 2013

Desejos pendurados em cílios soltos:

Que seja leve
Que seja livre
Que seja encanto
Que seja, sendo...

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

(in)cômodos

"Mas para quê tantas portas?" você me pergunta.
E antes de alcançar a interrogação eu quero gritar: "Entra! A casa é sua..."

(a casa é sua, sua... sua... sua...)

Mas minha voz se perde tentando tecer preenchimentos percussivos com o eco que se movimenta em cômodos recém ampliados ...

Para ouvir: Infinito particular - Marisa Monte

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

AINDA II

Meu olhar pára nas suas mãos e fica. Um livro surrado de capa vermelha, você emoldurada entre a parede e a cômoda, seus lábios distantes e embaçados se movendo em versos mudos e, talvez, escolhidos.

São 2h da manhã e eu folheio mais de 400 páginas tentando ouvir sua voz que ficou suspensa em algum lugar que não me lembro. Falha na memória? Não... Memória pedinte, viva, chamando pra ser inventada. Essa memória é um “ainda”. Advérbio de tempo, modificando as circunstâncias da (não)ação. Querer é verbo? O querer se modifica sozinho, atropela vírgulas, pontos, parágrafos, mas com o ainda aceita nossas reticências... ainda é meu permanecer no tempo. O ainda é uma alternativa para o querer inquieto... 

Volto ao mistério da memória. Continuo folheando até a reinvenção dos seus versos mudos, ocupo o lugar do silêncio e escolho(será?...), página 106:

“cabeceira

Intratável.
Não quero mais pôr poemas no papel
nem dar a conhecer minha ternura.
Faço ar de dura,
muito sóbria e dura,
não pergunto
“da sombra daquele beijo
que farei?”
É inútil
ficar à escuta
ou manobrar a lupa
da adivinhação.
Dito isto
o livro de cabeceira cai no chão.
Tua mão que desliza distraidamente?
sobre a minha mão”
(Ana Cristina César)

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

AINDA I

Em meio a um sarau involuntário no café
(aliás, pode-se confiar em café?)
escapa um cílios transgressor:
"É verdade, a falta não é sua mesmo, já te disse. Mas a saudade, ah!, a saudade..."






Para ouvir: como disse Xico Sá, uma música qualquer.

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Daquilo que não se nomeia I

Nota da autora: Eu Te Amo, Maria Lúcia! Confie em mim... (11/12/2013)

...
        Nunca havia estado ali antes, ajeitou o cabelo atrás das orelhas e conferindo as horas no celular caminhou até as portas de entrada. Olhou rapidamente lá para dentro: "a princípio, nenhum conhecido..." Não quis entrar, ao invés disso, se pôs a observar a rua como se estivesse absolutamente confortável com tudo aquilo. Conferiu as horas mais uma vez.
Neste momento ela esta prestes a ficar com medo de estar sendo observada! Vamos aproveitar esse incômodo, para conhecer a nossa personagem: parada em pé na calçada, aparentando estar muito atenta à árvore de flores amarelas à sua direita, encontra-se Maria Lúcia. Ela me reprovaria se ouvisse dizer isso, não lhe agradava muito o nome. Por mais que gostasse da avó, gostaria ter herdado outra coisa dela que não a alcunha. Por exemplo sua habilidade em dobrar coisas. Me refiro aqui a todo tipo de coisas, desde camisetas, passando por lençóis de elásticos e também origamis. Dona Maria Lúcia era realmente muito boa nisso! A neta, coitada, da avó ficou só com o nome mesmo.
         Preferia ser chamada de Malu. De onde viria tanta implicância? Maria Lúcia parecia ser um nome perfeito para uma pacata senhora de cabelos brancos que era boa em dobrar coisas. Esse era o problema! A Maria Lúcia da nossa história não é a avó, mas a neta que está longe de ter cabelos brancos. Mas os velhos um dia foram novos - poderíamos lhe dizer... "É verdade. Ainda assim, seria o nome de uma criancinha em alguma casa de décadas atrás."
Essa criancinha definitivamente não foi Malu! Malu era contemporânea, versátil... Teve Super Nintendo, assistiu Rei Leão, cantou Mamonas Assassinas sem entender a letra, colecionou palitos de Frutilli. E então cresceu, jogou 'verdade ou consequência', saiu no inverno sem blusa de frio, se deu o direito de comer a sobremesa antes do almoço, se cadastrou nas redes sociais da moda, tentou vestibular, passou, começou a faculdade...
E especificamente hoje, encontra-se nessa história parada de pé na calçada com o celular na mão, desejando muito poder ser Malu e se sentindo cada vez mais, Maria Lúcia...
Já estava ficando desconfortável. "O que pensariam dela, parada de pé ali sozinha?" Ora, poderiam começar a reparar, falar do seu cabelo, suas roupas, sua obsessão em olhar as horas no celular... "Por que não conseguia deixar o aparelho quieto?"
Resolveu tomar uma atitude! Ajeitou os óculos sobre o nariz e passou pela porta como se fizesse aquilo todos os dias. Olhou em volta displicentemente e descobriu um painel grande com cartazes, lendo anúncios ficaria ocupada.
Leu alguns informes que não entendeu, viu cartazes de pessoas vendendo um fogão seminovo, procurando cachorrinhos perdidos, doando gatos. Alguém anunciava: 'uma barraca de acampamento para 2 pessoas + colchão inflável de casal: vendo ou troco por carrinho de bebê e berço – Aberto a negociações!' Ela não conseguiu conter uma risada. Silenciosa, mas o suficiente para esboçar um sorriso. "Droga!" Só agora percebeu que ainda não tinha sorrido desde que chegara lá. "Será que estava com o rosto tenso?" Talvez fosse pior, poderia estar com a testa levemente franzida, com aquela expressão meio brava, fechada... "E esses braços cruzados?Estaria assim há muito tempo?"
Uma vez ouviu dizer que braços cruzados eram uma espécie de proteção, mostrava que a pessoa não estava aberta às outras, coisas de expressão corporal. Ela até quis ler sobre o assunto, mas mudou de ideia. Teve medo de que ficasse obcecada por analisar o corpo e sua linguagem... Não só o corpo dos outros, mas o dela próprio. Ficaria enclausurada entre os pensamentos e seus reflexos físicos. "Pior! E se o corpo expressasse na verdade o que ela sentia e que definitivamente não queria pensar?"
Fomos cruéis com ela agora... Talvez por isso tenha despertado dos pensamentos e reparado que seu olhar estava perdido diretamente na direção de um cartaz anunciando uma espécie de festa, com cantores que ela desconhecia. Tratou de olhar para outro lado, não queria parecer interessada naquele tipo de evento!
             Sentou num banco vazio e pegar o celular. Conferiu email e redes sociais, nada demais. Guardando o aparelho, reparou que uma pessoa à sua frente lia um livro. Adorava descobrir o que estavam lendo perto dela. Observava a maneira como as pessoas passavam as páginas, se usavam marcador para acompanhar as linhas, como mudavam os dedos de lugar durante a leitura. Achava um momento tão bonito ler um livro... Como ela gostava do conforto da leitura em lugares públicos! Sentiu vontade de ter um livro com ela. "Mas que livro poderia ter trazido? Livros podiam dizer muito sobre o leitor!"
Aliás, todas essas preocupações pretendiam criar que tipo de pessoa? Qual imagem ela gostaria de passar?

QUEM É VOCÊ?! - eu pergunto

            Mas minha pergunta só foi ouvida por um milésimo de segundo. E insistir nela poderia sacrificar de vez a personagem. Digamos que durou tempo suficiente para ela entender que precisava mudar de assunto, ficar tranquila, mais leve...
"Para quê tantas preocupações, afinal? Era alguém esperando, como tantos outros. Que mistério há nisso"
Pelo fluxo de pessoas em pé percebeu que estava na hora. Levantou-se satisfeita, sem sequer olhar o celular. "Tudo estava resolvido, talvez ela realmente não precisasse ser ninguém ali!" E naquele momento, caminhando para a sala, ser ninguém lhe pareceu ótimo, incrível! Algo muito melhor que ser...

               - Seu nome, por favor?
- Hã?
- Seu nome... – insistiu a mulher parada à porta levantando uma pilha de crachás.
- Maria Lúcia.
- Desculpe, pode falar um pouco mais alto?
- Maria Lúcia – repetiu
- Ah, sim. Maria, Maria, Maria... Achei! Ma-ri-a Lú-ci-a! – leu, sorrindo – Prenda em um lugar visível e não tire até terminar.
(escrito inicialmente em julho de 2012)

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Àquelas e a seus(nossos) silêncios moventes

“Ouve-me, ouve meu silêncio. O que falo nunca é o que falo e sim outra coisa. Quando digo “águas abundantes” estou falando da força de corpo nas águas do mundo.”
Clarice Lispector em Água viva

As melodias nos misturam, mulheres-mãe, mulheres-menina, mulheres-irmãs, mulheres-amigas, mulheres-avós…  Um chamado: é preciso! Apesar de... Em troca de... Por causa de… A música incita o corpo que vibra, liquefaz... Os acordes me preenchem, fecho os olhos, aceito o mergulho e giro, giro, giro...

Tragada por nossas próprias ondas, prossigo. Uma noite de luta, de protesto, de fluxo, de composição, de afeto... Noite construída e derramada...

Histórias fluem sussurradas nos ouvidos para serem escritas no espaço. Uma escrita feita da dança, do movimento - pulsar efêmero -, para ser diluída e apanhada. Constantemente refeita em um novo “instante-já que de tão fugidio não é mais”, como diz Clarice. “Esses instantes que decorrem no ar que respiro: em fogos de artifício eles espocam, mudos no espaço.”

É de um dizer impossível que o corpo se alimenta e segue. “A música é o silêncio em movimento”, escreveu Sabino. E assim também éramos nós, tecendo as dores, as faltas, os gritos contidos, os suspiros. Desenhando memórias (re)inventadas no balanço do ir e vir de tempos suspensos.
...

(O corpo que acorda dói o movimento do mar de dentro, ressaqueado. Dor boa! A garganta ainda amarga o eco da voz, tenho sede. Tenho sido, sou-me. Com todas nós...)




(Essa escrita faz parte das conseqüências inevitáveis da ação performática “Em caso de dor, eu danço” realizada em Mariana-MG em 13 de novembro de 2013. Agradeço a todas as mulheres que de alguma maneira compuseram aquele momento.)


domingo, 10 de novembro de 2013

Das primaveras (a)temporais III



"As mãos era a parte de dentro que não controlávamos. Sempre com algo que nos escapa, como uma sinceridade a mais, uma surpresa para quando estivermos distraídas. Fato era que as deixávamos livres e elas seguiam sempre à frente, sem pensar... Alheias a possíveis tentativas de esconder nossas verdades pulsantes..."