sábado, 24 de outubro de 2015

despertar

     os começos sempre me escapam
(e talvez por isso eu insista em escrever)
sei que eu corri, mas não fiz nada para impedir. apenas abri os olhos e esperei, como repetiria tantas vezes nos anos seguintes... talvez eu quisesse que acontecesse ou simplesmente não acreditasse que fosse possível. eu esperei olhando. a torneira aberta e ele insistindo. só na terceira tentativa aconteceu. ali o tempo parou. naquele relógio azul embaixo d'água. a água passa e o tempo fica. não havia mãe capaz de consertar o tempo. de fazer o tempo voltar a correr.

era uma vez, um presente.

ouvindo: Depois de ter você - Adriana Calcanhotto


(do te-ser memória_1)

domingo, 16 de agosto de 2015

um texto que me descubra


eu querida de mim, querendo
eu sentida assim, sendo
eu, minha, sentindo isso
isso assim, de dentro, desse jeito
do meu jeito
desfio a memória
e escrevo
buscando sentido
buscando e sentindo
eu que só sei porque sinto
eu que sinto que não sei
estou nua por responsabilidade própria.

segunda-feira, 27 de julho de 2015

visita

você tem vindo à noite,
quando é impossível
eu me convencer que não
está aqui
o inconsciente atravessado
na busca, a mesma que digo não querer
mas acordo do sonho querendo
quase sem culpa.

a consciência me contém:
"te segura, mulher!"

engano essa saudade sem educação
escrevo, finjo, dissimulo
a espera não existe 
se for pra ser,
que venha sem avisar
e chame quando estiver à porta.

Para ouvir: Amor, se acalme - Gal Costa

terça-feira, 14 de julho de 2015

da ordem

fale cá, ao pé do ouvido, sussurrando...
fale caminhando os dedos pelo meu corpo...
fale cada olhar que sabe parar em nós...
fale caindo em si, em mim, enlace...
fale casualmente da volta,
mas fique, se for o seu desejo.
acalma tua em língua em minha boca
que ofereço o meu silêncio
e inventamos o encontro.

Para ouvir: Um tom - Caetano Veloso

sábado, 11 de julho de 2015

correspondência

o que quer que possa ser,
peço que venha
sem palavras
como um livro,
ou uma fotografia
eu espero com medo
mesmo com boas intenções
é que bom e ruim nunca foram
opostos
em se tratando da gente,
o que fode tudo é a intensidade.
podia chegar o vinil novo da Gal
que talvez teríamos
passado as tardes ouvindo
e fazendo promessas do tempo
em que seríamos mulheres...
não aconteceu. não. nunca.
que me surpreenda simplesmente
por não ter sido
dessa vez
quero apenas algo que não signifique

Para ouvir: Sem medo nem esperança - Gal Costa

segunda-feira, 8 de junho de 2015

sobre o sopro, (h)a língua

um mês inteiro num único dia, hoje resolvi antecipar junho e reverto a espera com o que sei ter e estar. Admito que inventei. Há meses soltei o fio do desejo, não houve quem apanhasse a outra ponta, eu insisti e não vou me culpar por querer. Agora, as mãos entregues ao controle do barco, navego contra a correnteza acompanhada de algo que não me abandona mas silencia em perplexidade e me olha desconhecendo o caminho. Eu labirinto – passeio despretensioso – com uma escrita que sabe olhar e em respeito à mulher que não merece sofrer irei seguir, com cuidado. Me foi, me é, difícil abandonar a rota e eu resisto. existo. e revolto. e volto. volto. volto. Eu juro, é só chamar. Não! Encho os pulmões de ar sem fechar os olhos e não enxergo mais a margem, está feito o caminho para a vertigem, esse deslumbramento. Preparada para saltar nua e mergulhar em águas profundas não sinto medo e se você sentir peço que se arrisque ou que vá ler em outro lugar pois não tenho intenção de assustar ninguém que não mereça. Em instantes, num descuido o tombo será dado e essas palavras estarão derramadas ao chão, é provável que miseráveis, tal como a mãe primeira de Eros, e carentes em si mesmas, em honra materna, irão de ficar e permanecer. Eis aqui o que me resta, Que haja amor! – estou dizendo... E assim se fez texto, se fez palavra, se fez vírgula por sobre um corpo a(o )mar que não cansou de existir.

sexta-feira, 29 de maio de 2015

eu e a escrita

Se for possível, que essa escrita deslize pelo ouvido e me faça cócegas. Hoje é preciso certa delicadeza... Uma morte anunciada ronda o texto, mas me sento com ela e digo: vou escrever sem doer. Então abro bem o buraco e espero ansiosa.

À mão da mãe pertencia a volta. O balanço quebrou, o irmão dormiu, a mesa está posta e é chegada a hora... Não quero! mas quero também. sim e não sei. Nada é sempre bom. Certo é aquilo que diz: não escreva... é que o certo nunca se deu para escrita, disso eu já sabia. Veja como leão é um bicho muito grande e tem só quatro letras! A bruxa caiu da cama e eu também, aproveito e invento uma história. “Era uma vez dois irmãos órfãos de pai e mãe...” começo uma lista: Bruno e Bruna. Paulo e Paula. Daniel e Daniela. Pedro e Pedra! O feminino virou coisa... O mundo era muito e não se escrevia. A mão virada para trás segura o lápis e caminha em frente. Braço torto, escrita torta. Do fio da linha à borda da folha. Para atravessar é preciso perder. A escrita é dessa nudez, do corpo que dança. Arrancaram minhas roupas e não tive escolha. 

Então que seja assim, e que passe pelo corpo... é aqui o começo, onde a escrita atravessa. Se há um verbo que me rasga, eu costuro na falta o tecido da letra, ponto a ponto, linha a linha, furo a furo. necessidade lembrança ser sede corpo casa desejo só e tanto. Do medo de mar ao medo de amar há um silêncio a ser oferecido, não me esquivo.

Sou mulher de palavra,

quinta-feira, 7 de maio de 2015

sexta-feira, 3 de abril de 2015

da fome

A isso que me ocupa o estômago
e não sei de onde vem
chamarei ‘vontade de viver’.
da coisa minha dou o nome que eu quiser,
escolho um que saiba andar para frente.
Nem parte, nem toda...
algo assim que seja meu,
que seja eu,
que sê... já!

urgente e necessária
,


quarta-feira, 1 de abril de 2015

Da insuficiência

palavra quase sempre havia
quase sempre a via
quase a ver...
haver-se em mim
palavra
sempre se havendo
                                    falta
                     sempre
       palavra

sexta-feira, 13 de março de 2015

Olivetti, 46


só escrevia manca
assim meio torta
meio capenga...
ia indo e o tempo insistia
tic tac tac tac tac tac
batia sempre a mesma tecla!

resolveu trocar o papel,
virou máquina de costura